tangentes | 18. 03. 15 > 18. 04. 15

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tangentes | 18. 03. 15 > 18. 04. 15               

     

Tangentes

 

                                                                                           “ Um quadro abstrato não representa, mas se apresenta”

Samson Flexor, 1956

 

 Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho

 

A nova série de pinturas “Tangentes” de Paiva Brasil reafirma mais uma vez sua delicada e consistente poética. Uma sólida trajetória de 60 anos de trabalho e dedicação.  A escolha do título da exposição revela também ao público a sutileza de como este artista vivencia sua arte. O conceito de tangente pode ser apropriado de três formas distintas na matemática: diretamente da geometria euclidiana, onde a definimos como a reta que toca uma curva ou superfície sem cortá-la, compartilhando um único ponto ; da trigonometria, que estuda a relação entre os lados e os ângulos de um triângulo,  sendo que a definição de tangente (de um ângulo) é expressa aqui como um número real positivo, resultante da razão entre o cateto oposto e o cateto adjacente de um dado triangulo; ou por fim da geometria cartesiana (analítica), que se utiliza de métodos e símbolos algébricos (notações e letras) para representar e resolver questões geométricas, incluindo a definição da tangente em uma equação de reta. Paiva “joga” com esses elementos, todos tão presentes no seu léxico, mas deixando sempre o observador livre para escolher que caminho seguir.

Artista discreto e sensitivo, Paiva faz parte, por tradição e direito, de nossa primeira geração construtiva. Sem nunca ter estado vinculado formalmente a nenhum dos movimentos concretista ou neoconcretista, ele criou e vem desenvolvendo de forma independente uma linguagem abstrato-geométrica  desde meados dos anos 1950. Aluno no MAM-RJ de desenho e composição gráfica de Santa Rosa e de pintura de Samson Flexor, Paiva poderia ter-se filiado a tradição de alguns membros do Grupo Frente no Rio de Janeiro como Rubem Ludolf, João José e Décio Vieira , da mesma forma que poderia estar ao lado dos alunos paulistas de Flexor no pioneiro Atelier Abstração como Norberto Nicola e Jacques Douchez. Ele, entretanto, solitariamente, tomou um rumo distinto.

 

Seu repertório concreto sempre flertou com os binômios Composição/Cor , Construção/Movimento , Lúdico/Jogo, muitas vezes alternando seu uso, em combinações aleatórias surpreendentes e inovadoras. Sua habilidade como programador visual e pintor nunca limitou seu experimento de ir além da bidimensionalidade ou de qualquer restrição ao suporte tradicional. Suas pesquisas de cor, ao mesmo tempo que conciliaram gradações ou tonalidades aproximadas, sempre estiveram associadas a “construções” do quadro, ou objetos de cor, que exigiram do artista o exercício de novas formas, entrelaçando estruturas, redefinindo os espaços do quadro, como se fossem espaços novos de cor. Em outros momentos a cor, como elemento subsidiário, era o “suporte” para esculturas móveis, como na série “Vertebrados”, onde o artista deu asas a suas experiências escultóricas, sempre na interação com o expectador, matéria tão cara à nossa história da arte.

Paiva também desbravou o uso de símbolos , em sua forma “bruta” ou na “construção” de novos significados, às vezes como um novo vocabulário. A apropriação do número 5, obra que o marca definitivamente a partir do final dos anos 60 e percorre toda sua trajetória, exemplifica bem sua disposição para essa invenção e ousadia poética. Explorou nas séries ”Emblemas” e “ Esfumados”, a curva e a reta, mas também a opacidade e os volumes com cor, muitas vezes com um grafismo sofisticado e vibrante. Saiu do plano e criou um elemento novo tridimensional que abandona a ideia de um simples algarismo para virar múltiplos  algoritmos da forma (referência ao objeto escultórico “Integração”). Através da série “Carimbos” incorporou a essa mesma invenção a repetição contínua, obsessiva, mas ao mesmo tempo lúdica. Reconfigurou letras e palavras nos anos 1980, e mais uma vez, com as cores e os planos de cor, redefiniu o próprio sentido destas  nas chamadas “Coleturas”. Paiva faz poesia visual com números e letras, sem que seja necessário titular a priori versões de poemas concretos. É antes pintura. E pura abstração.

A nova série “Tangentes”, ora aqui exposta na Galeria Mercedes Viegas, mescla uma certa síntese desse percurso. Vemos ali a curvatura do 5, o encontro da tangente imaginária? Ou brincamos como um jogo de peças que tenta o encaixe perfeito sem saber exatamente qual deve ser a forma final? A exploração dos espaços vazios , como uma ausência de cor , é parte do equilíbrio e da composição das cores? Paiva dialoga aqui com o espaço, montando e desmontando, horizontalizando ou verticalizando, sem entretanto que saibamos onde tudo começa . Será a forma que define e orienta ou as cores que se encontram/dissipam? Com refinada sutileza podemos girar seus “objetos” de cor e redescobrir novas opções e novos sentidos. Por que não novas tangentes? Por onde devemos guiar nosso olhar? É isso que o artista exige. Anuncia um caminho, mas deixa o espectador, como sempre, fluir e se posicionar.

Rio de janeiro, 10 de Março de 2015

 

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