Noturnos | Franklin Cassaro



Noturnos

Franklin Cassaro

 

22 de março > 22 de junho de 2023

Texto de Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho

 

Trinta e cinco anos atrás, em outubro de 1988, Franklin Cassaro inaugurava no Rio de Janeiro sua primeira exposição individual na celebrada Galeria Macunaíma da Funarte, seguida em São Paulo da mostra AR, no Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP). Em ambas as oportunidades estava ali o début de um artista audacioso, intenso e profundo, não afeito a modas, convenções ou padrões impostos pelo mercado de arte. O impacto causado pela grande e única bolha vermelha em papel celofane, seu primeiro inflável, ocupando todo espaço da pequena galeria do Rio, ou o grande tubo vermelho no museu de São Paulo, já traziam o prenúncio de alguns elementos da linguagem sutil, sua necessária interação com o espectador e seus aspectos corpóreos. Desde então tem exibido e performado suas criações em várias capitais do país, em renomadas instituições públicas e privadas, tendo cruzado diversos países como Estados Unidos, Alemanha, Austrália, Espanha, Suécia, Inglaterra, Áustria, Itália, Porto Rico, Cuba e México.

Em contínuo exercício experimental, Cassaro e seu bioconcretismo transitam entre o uso de materiais banais, descartáveis, cotidianos e a capacidade de intervir em uma reconfiguração, recriando espaços e pensamentos, sempre através do gesto, do corpo, com o corpo e pelo corpo. Sua investigação morfológica é parte desse processo, não porque deseje o protagonismo da revelação de algo inédito, mas porque se preocupa em dar um destino possível para aquilo que não consegue ser visto, catalogado. A expansão de seu universo se dá com o rigor de um cientista que arrisca ou do artista que descarta. O micro ou macro não importam. É a potência e a intensidade do resultado que marcam seus interesses e desejos. As possibilidades da arte para ele brotam em qualquer espaço, tempo e contexto. Não existe um fato simbólico que parametrize onde essa arte deva estar a priori. Como já bem se afirmou, é uma arte portável, por isso possível e acessível. Desnecessário querer definir em seu trabalho as fronteiras tradicionais entre a escultura e a bidimensionalidade, entre o efêmero e o permanente, entre o gesto dinâmico performático e a suspensão do que é estático.

 Em Noturnos, Cassaro concentra-se em referências que lhe são caras, que ressignificam sua própria existência e as interrogações de seu presente. No duplo conjunto de desenhos selecionados, todos em repouso sob uma superfície preta, produzidos em um curto intervalo de tempo, ele unifica questionamentos e exercita suas múltiplas facetas na execução. Ora pelo uso das mãos como ferramenta convencional de trabalho, ora na mordida contínua e ordenada do papel. São gestos do mesmo ator, mas revelam resultados e condições distintas do alcance de sua obra. Suas denominadas Sementes Fractais Noturnas são trabalhados a partir do uso de lápis de cor metalizados, enquanto seus Desenhos Mordidos Noturnos são realizados pela mordida no verso de papéis pintados em acrílica iridescente. A estrutura arqueológica deixada nesse verso, como uma coluna vertebral de sustentação de um corpo qualquer (Vegetal? Animal? Mineral?), revela uma geometria basilar que na  junção da folha de papel remete aos mesmos elementos fractais das Sementes Noturnas. Não por mera coincidência.

 Pensados a partir de longas caminhadas noturnas no Parque do Flamengo, a observação contínua do espaço aberto ajudou Cassaro a desvendar aquilo que Benoit Mandelbrot em 1975 cunhou, em seu livro clássico, como a geometria fractal da natureza. Fractais são padrões intermináveis e complexos. Através da repetição de um processo em loops infinitos, são desvendadas imagens de sistemas dinâmicos. Um fractal, presente na natureza na forma de árvores, rios, costas, nuvens ou montanhas ou na constituição de quaisquer vidas orgânicas, descreve a história do próprio processo que o criou. A intuição matemática do artista transborda a notação científica e matemática. Ele reprograma esse conceito a partir de sua vivência e o expele nos muitos resultados de sua criação. Em seus desenhos, bordas e limites se revelam. Tanto na vida como na arte. Não há diferença. Leva tempo para serem de fato apreendidos. Esta exposição ilumina todas essas possibilidades.


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