Marta Jordan | a argila e o sonho do cimento em paisagens perturbadas | 27.03.23 > 03.05.2023



a argila e o sonho do cimento em paisagens perturbadas

Marta Jourdan

 

27 de março > 03 de maio de 2023

Curadoria Luiza Mello

 A argila e o sonho do cimento em paisagens perturbadas

 Imagine um rio correndo. O rio nunca é o mesmo, está sempre fluindo e alterando a paisagem ao seu redor. Agora imagine as margens desse rio, quando as águas se acalmam e formam poças. Olhe mais de perto e repare que pedaços de madeira, folhas, seixos e pequenos seres estão ali reunidos em assembleia. Esses encontros efêmeros podem durar segundos, minutos ou horas. A ideia de assembleias como relações entre organismos que podem ser encontrados juntos e agrupados temporariamente em um lugar está presente na nova série de trabalhos de Marta Jourdan.

 

A exposição apresenta assemblages-assembleias feitas de argila, cimento, madeira, espuma, tecido, feltro e água. Podemos imaginar que, assim como organismos se reúnem nas margens de um rio, os materiais escolhidos pela artista se conectam nas esculturas. Os elementos são apoiados uns nos outros, e, no instante que um equilíbrio acontece, o conjunto se transmuta em assemblage. Nenhum tipo de cola é usado, nada está fixo, os materiais simplesmente encontram uma forma de (co)existir — as esculturas incorporam o acaso e representam instantes.

 

Os instantes e os pequenos acontecimentos estão presentes na prática da artista desde o início da sua produção: água gotejando em retroprojetores que traçam em tempo real enormes gotas nas paredes (Zona de lançamento); água em contato com ferro quente, passando imediatamente do estado líquido para o gasoso (Líquidos Perfeitos) etc. Nas assemblages, não testemunhamos sempre o instante, mas ele está ali, materializando a sutileza do ponto de equilíbrio e revelando sua fragilidade. A qualquer momento novas combinações podem ser feitas num processo de transformação sem fim. O rio nunca é o mesmo.

  

Outro elemento fundamental na obra de Jourdan é a água, a origem de tudo. Na presença dela, as aplicações da argila se multiplicam: plasticidade, compactação, resistência. A argila, misturada com calcário e água, é central na produção do cimento, que só pode ser trabalhado e moldado em contato com o líquido. A água também pinga constantemente de um dispositivo eletrônico em uma bacia, formando um circuito sempre em movimento. A argila, o cimento e a água se (con)fundem com outros materiais para compor as assemblages.

 

Marta Jourdan é uma artista-pesquisadora que se interessa pelas ciências, por eventos cotidianos, por narrativas. Seus trabalhos propõem leituras poéticas de fenômenos naturais. A argila e o sonho do cimento em paisagens perturbadas é um convite à fabulação, um passeio por lugares em constante transformação, um encontro com o invisível, com o que acontece o tempo todo ao nosso redor, e não nos damos conta. Ela fala de materiais concretos que sonham, de brechas, da precariedade e das possibilidades de nos re-unirmos em assembleias para inventar novos mundos.

 

É uma obra em movimento que continuará se metamorfoseando nos encontros com as pessoas visitantes ao longo da mostra. 

 

Luiza Mello

 

Obs. Esse texto foi elaborado em conversas com a artista e tem como referências leituras que compartilhamos de autoras e autores como Anna Lowenhaupt Tsing, Ailton Krenak, Lynn Margulis, Tim Ingold, entre muitas outras.  


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